A ENXADA E A
LANÇA
A África antes
dos portugueses
História do Povo zanata
...Quando os azenegues conquistaram
Audagoste, a aparência da cidade – “encantadora”, segundo Ibne Hawkal – era a
de um vergel. Onde os nômades, muito provavelmente, se guardaram de viver.
Acampavam à sua borda, em tendas ou em precários abrigos de caniço e de ramos.
Mas tinham sob controle o acesso à urbe e lhe taxavam o comércio, cuja prática
deixavam nas mãos dos zanatas.
“Gana” – ensina-nos Al Bakri, no seu
famoso Livro dos itinerários e dos reinos – “ é o título usado pelos reis de um
país cujo nome é Aucar.” Essa denominação real, que significava “chefe de
guerra”, não era a única. Ao soberano davam-lhe também as designações de tunca
e caia-maga, ou caia-manga, “o rei do ouro”.
... e grupos humanos, que lhe pagassem
tributo e lhe pudessem fornecer soldados para a guerra, servidores para a
corte, levradores para os campos reais. As campanhas militares expansionistas
tinham por escopo, assim, conquistar gente. Mas as terras acompanhavam os novos
súditos, vassalos e servos.
Parte da atividade militar
concentrava-se em defender o reino de seus vizinhos – como Tacrur, Gaô e vários
outros – que perseguiam o mesmo objetivo de ampliar as suas próprias redes de
fidelidade política. E a maior preocupação consistia em resguardar das ambições
dos berberes os portos caravaneiros da margem meridional do Saara.
Entre os berberes figuravam os
azenegues, asnagas ou sanhajas, senhores do deserto, desde o uede Dara ou Dráá,
ao norte, até o Sael, ao sul, e do Atlântico até o Hoggar. Os azenegues
dividiam-se em grandes grupos, que, em geral, se hostilizavam mutuamente, mas
podiam formar passageiras federações. Tão efêmeras, muitas vezes, quanto a paz
entre as tribos de que se compunha cada um daqueles grupos. E eles eram: logo
abaixo dos Oasis meridionais do Marrocos, os lantas e os jazulas; mais para o
sul, os fornecedores de guias para as caravanas e seus protetores ou atacantes,
os massufas; ao longo do litoral atlântico, os judalas; no Adrar mauritano e no
Tagante, os lanturnas.
De rostos cobertos com um véu – que os
árabes chamavam de litham - , os azenegues, com seus camelos, controlavam não
apenas as rotas das cáfilas e os oásis, e os poços do deserto, mas também as
grandes minas de Tagaza e outros depósitos de sal-gema, formados em depressões
onde outrora houvera lagos.
Donos do sal, detinham os sanhajas a
mola do comércio transaariano. Os grandes mercados, no entanto, estavam, nas
cidades do sul do Magrebe, nas mãos dos berberes zanatas, e no Sael, em
parte nas dos saracolês.
Na segunda metade do século IX, os
azenegues assenhoreavam-se pela primeira vez do nó caravaneiro de Audagoste,
uma pequena cidade, fundada talvez um ou dois séculos antes, mas que já seria
um centro agrícola, artesanal e mercantil de importância, uma das principais
portas do comércio com o Sudão. Daí por diante, e por muito tempo, Audagoste
progrediu, até desaparecer, uns seiscentos anos depois.
Ficava – conta – nos Al-Bakri – numa
planície arenosa, ao pé de um monte desnudo de qualquer vegetação. Mas ao redor
da cidade havia bosques de tamareiras. E nela não escasseava a água doce.
Cultivavam-se o milhete, as figueiras, o pepino, a hena. O gado, vacum e ovino,
era abundante. O mercado vivia cheio de gente e nele se pagava em ouro. A
população era de vária origem, com bonitas mulheres, de cintura fina e nádegas
cheias. E por toda parte havia belos edifícios e casas elegantes.
BIBLIOGRAFIA
Silva, Alberto da Costa e
A enxada e a lança: a África antes dos
portugueses / Alberto Costa e Silva. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São
Paulo: EDUSP, 1992.
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